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terça-feira, 12 de julho de 2011

Diário de bordo: erros e acertos em viagem amorosa

Por Vinícius Cunha

Março chegava ao seu fim e precisava de um tema para essa saga dentro dos sites de paquera. A princípio não queria me aproveitar dos sentimentos de um outro alguém no outro lado da tela. Ser um infiltrado implicaria brincar com as expectativas de quem busca um namoro ou casamento nessas redes e o que justamente queria evitar era o sofrimento alheio. Decidi contornar a situação. Enquanto colegas de disciplina optavam por analisar a paquera entre idosos, gays, lésbicas ou até mesmo em redes de swing e ménage a trois, decidi apurar o surgimento e o histórico desses sites. Pronto, não envolveria emoções e estava livre da culpa moral.

De início tive certa dificuldade na pesquisa porque vim de família conservadora não via com bons olhos a substituição do face a face pelo namoro virtual. Pensar na existência de um namoro sem contato era algo inconcebível até pouco tempo. Pais, avôs, tios e até primos mais velhos nunca tiveram essa experiência e nem a eles poderia recorrer. Era um campo a ser desbravado e que por ser novo me dava certo medo.

Pior que a culpa moral, não vi que cometia um erro pueril dos iniciantes em jornalismo. Não tinha desafios em potencial e fui só pesquisando dados e mais dados. Eram teses, artigos, reportagens e eu pecava no primordial. Não tinha personagens, logo faltaria o essencial a uma matéria sobre relacionamentos: a emoção. Isso era um tiro no pé e a todo custo teria de reverter o quadro. 

O receio inicial de um estudo mais aprofundado na web passou a ser aceitável e admirado, a partir do momento que vi que casais de círculos de amizades próximos a mim foram formados por sites de paquera. Ao perceber que eles formavam pares pelo sites, duradouros ou casuais, a pureza do sentimento falou mais alto e entrei de cabeça na pesquisa querendo saber tudo daqueles que se propuseram a falar comigo.

Do Par Perfeito ao eHarmony, conhecidas redes de relacionamento, percebi que plataformas sociais como Facebook, Orkut e até mesmo o Formspring também desempenhavam papel de cupido e para meu desespero, que só virá adiante, justamente por ter me interessado pelo amor nas redes sociais. Conheci Camila Fracalossi e João Lameira, os dois de 21 anos. O casal, que se conheceu pelo Formspring, passou a ser meu alvo de estudo e por meio de uma amiga em comum estabeleci contato diário para saber mais detalhes do relacionamento. Mal sabia que cometia novo erro. Desviando minha atenção para plataformas sociais, fadava ao fracasso minha reportagem e só viria a descobrir isso quase no fim da jornada. Agora eu penso: "Ainda bem que deu para reverter a tempo".


Camila  e João foram solícitos e em troca de e-mails comigo. Ela contou como tudo começou:

"Eu e João nos conhecemos por volta de Janeiro de 2010, através do Formspring. Eu estava lendo a página de um amigo nosso em comum e uma das perguntas feitas por ele me chamou a atenção. Acabei por fuçar sua página, apertar o botãozinho de follow e, como de costume naquelas férias entediantes (no aguardo do resultado do vestibular), fui fazer as costumeiras perguntas do dia àqueles que eu seguia. Tal foi minha surpresa quando ele veio conversar comigo via inbox e, então, começamos a trocar experiências e a nos conhecermos. Até que ele pedisse meu MSN e eu acabasse dando meu telefone também".

É normal que relacionamentos que tem seu início na internet sejam mais cautelosos que os demais. Mas hoje Camila e João namoram há mais de um ano sem qualquer aparência que irão terminar o romance. Conversei com o casal em outras oportunidades e sempre demonstravam carinho um pelo outro. Em chat realizado que reuniu nós três, João declarou quando teve certeza que gostava dela: "Ela me respondeu no Formspring. Não poderia perder a oportunidade e corri atrás. Era o amor da minha vida, ali na tela do computador".

Com as aspas do casal tinha a matéria praticamente finalizada. Faltava alguém do meio acadêmico para falar sobre o fenômeno. Aproveitei que Cristina Rego Monteiro foi minha professora e especializada na área. Perfeito para a reportagem e sem maiores problemas tinha concluído o trabalho.

Passada a primeira revisão com algumas mudanças no começo de junho e com a matéria  já sendo diagramada tive o problema inesperado que quase comprometeu meu trabalho. A minha preocupação em não iludir possíveis parceiros virtuais encontrou fim. Em conversa com Cristiane Costa, professora e orientadora do projeto, vi que a apuração deveria ser feita de modo a me infiltrar. Primeiro porque, embora bem feita, a matéria dava conta de sites de relacionamento e não de paquera, e como pesquisador sair da zona de conforto era um desafio necessário. Era só manter uma postura séria, sem levar as conversas tanto para o lado emocional que não causaria estragos.

O prazo para entrega era curto, pouco mais de uma semana, e tinha de correr atrás do prejuízo. O primeiro site que me infiltrei foi o Par Perfeito. Depois de  algumas investidas com perfil próprio conheci um casal: Marcos Alexander e Ana Cristina Vieira. Eu tinha, enfim, um par que tinha se conhecido num site de paquera e não em um rede de relacionamentos. Respirei aliviado e com metade do dever cumprido. "Depois do primeiro filtro do site, Ana apareceu na página principal e senti algo especial. Era ela”, afirmou ele por meio de mensagens que trocamos por e-mail.  Ainda tentei um encontro com os dois, já que moravam no Rio, mas foi em vão já que alegaram ter "uma vida muito agitada para conversarem sobre vida pessoal ". Como já tinha material necessário deles fui em busca de mais personagens.


O acaso tinha de estar presente no trabalho, sempre ele. No primeiro semestre de 2009 cursei História na Unirio e conheci Louise Rodrigues, 21 anos. Nascia uma bela amizade em apenas seis meses, mas que foi vítima da distância. A Escola de Comunicação passou a ser minha casa, enquanto que ela foi para Relações Internacionais na Ibmec. Continuamos a nos falar pela internet e chegou a me contar que havia começado a namorar com Daniel, rapaz de São Paulo, e que  na época não fez tanta diferença saber como tudo começou.

Em um dos meus intervalos de pesquisa no eHarmony resolvi chamá-la para um bate-papo. Para minha enorme surpresa ela tinha conhecido Daniel pelo site cristão. "Assim que o eHarmony foi lançado no Brasil me cadastrei e conheci o Daniel. Foram muitas conversas virtuais, mas não me arrependo. Sou mais feliz com ele", declara minha amiga. Era tudo que eu precisava e vi que sorte é requisito necessário aos jornalista além de competência.

A confiança nos sites de paquera é algo que os casais que entrei em contato ressaltaram. Todos eles expressaram a certeza que em algum momento, por mais que pudesse demorar, iriam encontrar a pessoa que tanto esperavam. "Podem falar o que quiserem, como amante da informática tinha certeza que encontraria meu per perfeito aqui", diz a programadora Ana.

Enfim e no prazo determinado tinha uma matéria convincente para apresentar. Em suma, a experiência foi muito interessante. Com meus 22 anos e sem um compromisso sério não via nesse universo uma oportunidade,  mas como esse estudo passei a encarar com novos olhos os sites de paquera. Quebrei tabus, mesmo que forçado, para ser um infiltrado e senti que para ser um jornalista não posso me acomodar na zona de conforto. 

Saber caminhar sem pré-julgamentos e sem medo de conhecer novos padrões é o primeiro passo de um aspirante ao jornalismo e após esta experiência e de todas as apurações, aventuras, timidez e superação vejo que valeu a pena e que apenas vivendo o jornalismo se aprende verdadeiramente o ofício.