Projeto de pesquisa desenvolvido no âmbito do pós-doutorado do Programa Avançado de Cultura Contemporânea pela professora Cristiane Costa
INTRODUÇÃO
Interatividade, uso de múltiplas mídias, quebra da linearidade do texto tradicional. Um desafio muito maior do que simplesmente mapear as possibilidades narrativas oferecidas pelas mídias digitais é utilizá-las. Este projeto pretende ao mesmo tempo levantar essas novas estruturas narrativas e realizar uma grande reportagem sobre o amor no universo virtual desde o início concebida para publicação exclusiva em meios digitais (computadores ligados na internet, e-readers e aplicativos para celular).
Na verdade, seria praticamente impossível escrevê-la dentro da estrutura convencional de um livro impresso. Até por seu tema, a busca da alma gêmea na internet, ela se enquadra perfeitamente na investigação das possibilidades narrativas do universo virtual que se pretende fazer.
A história de P@R PERFEITO funciona como um jogo de imersão neste universo. Ela parte de vários textos produzidos por alunos de Jornalismo que, desafiados a encontrar um ângulo novo para escrever sobre o amor, combinam se infiltrar com perfis falsos em diferentes sites de relacionamentos amorosos. Com a curiosidade aguçada pelas experiências dos alunos, a própria professora resolve vasculhar estes sites e se relacionar no mundo virtual com seus personagens.
É um livro-reportagem que, desde a concepção, não foi pensado para ser publicado como livro impresso. Uma narrativa transmídia que existirá apenas num site a ser desenvolvido especialmente para abrigá-la, podendo também ser acessada por meio de um aplicativo para celulares e baixada em leitores eletrônicos.
P@R PERFEITO apresentará e analisará o discurso amoroso nos sites de relacionamentos. A busca dos personagens por sua alma gêmea, ampliando seu universo de possibilidades ao se abrir ao mundo virtual, será tão verdadeira e factual quanto uma metáfora para as chances que a narrativa tem de encontrar novos caminhos ao se transformar numa arte transmídia.
É também uma metáfora para a mudança de posição de um leitor interativo, que não aceita mais ficar esperando que as histórias se desenrolem passivamente à sua volta e decide buscar ele mesmo estabelecer novos relacionamentos, participar de novas redes.
E, com isso, construir novas histórias.
OBJETIVO
Um livro de autor brasileiro, com raríssimas exceções, não vende mais do que uma edição de 3 mil exemplares, atingindo a um número pequeno de leitores. Quais as possibilidades de um livro digital, que não apenas apresente seu conteúdo on-line gratuitamente, mas que se utilize de várias estratégias narrativas abertas pela literatura transmídia, de atingir a um público mais amplo?
Ficará restrito ao público tradicionalmente interessado em arte eletrônica, cibercultura e mídia digital? Ou poderá ser lido nos laptops, e-readers e mesmo nos celulares e nas lan-houses, por quem não tem um computador pessoal? Por seu ineditismo, ganhar o boca-a-boca das mídias sociais e criar uma nova gama de leitores para um novo formato?
O objetivo deste projeto é mapear as novas estruturas narrativas oferecidas pelas novas mídias e produzir uma obra capaz de atingir um público mais amplo, não-iniciado nas artes digitais, apresentando uma forma de contar histórias absolutamente inovadora. Seu diferencial: oferecer uma experiência inédita de imersão no universo dos sites de relacionamento.
Diálogos e-pistolares (escritos em formato de e-mail e mensagens de celular, em vez de travessões), contextualização e exata localização dos personagens pelo Google Maps, reprodução de páginas de sites de relacionamento na internet com a exibição das diversas etapas de aproximação e até uma exploração inusitada do formato colaborativo (em que os homens envolvidos descrevem suas vidas em páginas de sites de relacionamento e escrevem para a protagonista) se misturam nesta narrativa na intenção de criar uma visão realista do que se passa no universo do amor virtual.
O projeto busca também apresentar ao público de viés mais acadêmico, especialmente da área de Jornalismo e Letras, um panorama dos novos rumos que o processo narrativo pode tomar num futuro próximo. Assim, oferecer aos jovens autores um novo modelo de estrutura narrativa capaz de refletir com mais exatidão os dilemas do mundo contemporâneo. Por fim, atrair a atenção da comunidade internacional dedicada à mídia e à literatura eletrônica para a produção nacional.
É preciso deixar claro, no entanto, que a literatura eletrônica (ou ciberliteratura ou literatura transmídia) designa as obras criadas especificamente para o formato digital e que não existem fora dele. Não é o caso de uma literatura linear adaptada para os e-readers, que apenas reproduz digitalmente as páginas de um livro. O mesmo pode se dizer das narrativas em transmídia feitas pela imprensa: elas não são meras reproduções das páginas dos jornais ou revistas para o meio digital, mas uma nova linguagem a ser desenvolvida.
O que dá a característica de narrativa eletrônica a um projeto como P@R PERFEITO é o uso de estruturas inovadoras, como o hipertexto, a hipermídia e a interatividade. Ao se valer do hipertexto, a obra se propõe a quebrar as regras da narrativa linear. É, antes de tudo, um conjunto de fragmentos de textos relacionados entre si. Como, no caso deste projeto, várias histórias de amor e desamor dentro de uma história.
A interatividade tem como objetivo fazer com que a leitura não siga um único caminho, previamente determinado pelo autor, mas ofereça ao leitor a possibilidade de escolher seu próprio trajeto de leitura entre vários possíveis. Acompanhar o relacionamento da protagonista, às vezes infrutífero, às vezes promissor, com vários personagens masculinos que encontra na internet pode levar a becos sem saída ou a aventuras insuspeitas, dependendo da escolha cega do leitor, incapaz de prever o que vai acontecer.
P@R PERFEITO tem ainda como objetivo fazer uso de várias mídias e linguagens. A narrativa multimídia mistura vários campos artísticos, uma vez que, ao explorar a tecnologia digital já na sua concepção, não raro interage com as artes plásticas, o design, o vídeo, a programação e a música.
Os próprios sites de paquera prevêem testes de personalidade, conversas por e-mail e MSN entre os casais formados, videoconferências entre pessoas de cidades e até países diferentes. Embaralhando ainda mais as categorias de real e virtual, a protagonista vai se relacionar com pessoas “reais” que conhecerá apenas pela internet. No entanto, o nome destes colaboradores involuntários, assim como imagens e informações que possam facilitar sua identificação serão suprimidos ou alterados.
O sucesso desta empreitada será uma demonstração de que o impresso não deve mais ser visto como o único meio para a criação literária ou para a grande reportagem. E que a transmídia tem uma capacidade inédita de refletir o mundo em que vivemos.
JUSTIFICATIVA
Enquanto a discussão em torno do futuro do livro e do jornalismo tem se prendido ao um jogo de achismos entre os que acreditam que o impresso nunca vai acabar e os que prevêem seu fim para breve, substituídos pelos computadores e e-readers, uma revolução literária está se processando na surdina. A própria ideia de livro perde parte de seu sentido quando nos deparamos com novas estratégias narrativas em bases digitais, que atuam na confluência de várias artes e mídias.
Nem sempre essas narrativas são capazes de formar um “livro” no exato sentido do termo. O próprio livro deixa de ser um modelo absoluto, uma vez que esses novos gêneros narrativos se utilizam de vários suportes para sua “publicação” (no sentido original de “tornar público” e não no do senso comum: imprimir). Embora alguns já encontrem aplicações comerciais, em geral não são desenvolvidos necessariamente para suprir uma necessidade da indústria editorial. E, sim, para viabilizar necessidades de seus autores se expressarem de uma forma mais coerente com o mundo contemporâneo.
Tudo isso parece muito novo, experimental demais, sem qualidade literária que possa ser apreciada pelo leitor comum. No entanto, o hipertexto é forma de leitura/escrita anterior ao computador. Há décadas lemos obras que permitem criar combinações entre suas partes, assemelhando-se à escritura multilinear do hipertexto digital. Entre elas, clássicos que já na sua época revolucionaram a estrutura narrativa. Por exemplo, O livro da areia (1975), de Jorge Luis Borges, O jogo da amarelinha (1966), de Júlio Cortazar; Castelo dos destinos cruzados (1976) e Se um viajante numa noite de inverno (1979), de Ítalo Calvino. Do livro-labirinto de Borges às construções hipertextuais de Cortázar, experimenta-se uma outra ordem de leitura que, como prenúncio do hipertexto digital, tenta romper com a linearidade da página impressa.
É preciso deixar claro que a proposta de P@R PERFEITO é bem mais modesta. Usar um tema tão popular quanto a busca da alma gêmea, típico da “chick lit”, com todos os seus clichês da literatura mulherzinha, para explorar as possibilidades da narrativa transmídia tem uma intenção clara: tirá-la do gueto experimental, demonstrar que não precisa ficar restrita a um leitor intelectualizado ou obcecado pela alta tecnologia e até que ponto pode ser usada para contar uma história comum. E ainda apontar os caminhos para que essas estratégias narrativas possam ser usadas na imprensa, na elaboração de reportagens transmidiáticas, e na educação, especialmente na produção de conteúdo didático para projetos de educação à distância.
A opção por uma versão bilíngüe, português/inglês, justifica-se uma vez que as novas estruturas narrativas oferecidas pela literatura eletrônica são mais pesquisadas no exterior, especialmente nos Estados Unidos, onde já existem bibliotecas especializadas, como a da Eletronic Literature Organization (http://www.eliterature.org/) ou a Cervantes Virtual (http://www.cervantesvirtual.com/portal/literaturaelectronica/obras.jsp )
META
Construir uma obra transmídia que funcione como um jogo de imersão no universo virtual é a principal ideia por trás de P@R PERFEITO. Uma obra que possa ser lida em computadores, e-readers e celulares.
Construir uma obra transmídia que funcione como um jogo de imersão no universo virtual é a principal ideia por trás de P@R PERFEITO. Uma obra que possa ser lida em computadores, e-readers e celulares.
Esta grande reportagem seria um retrato de como funciona o universo dos relacionamentos amorosos entre estranhos na internet, numa narrativa que abandona a ideia de representação e aposta na simulação.
Oferecer para pesquisadores e escritores, um levantamento das estruturas narrativas oferecidas pelas novas tecnologias digitais, num amplo painel de sua capacidade expressiva.
A efetividade deste projeto poderá ser medida pela recepção na imprensa de uma obra que foge aos padrões jornalístico-literários tradicionais, pelas discussões críticas que propiciará, o papel que desempenhará na divulgação da literatura eletrônica no Brasil e da literatura eletrônica made in Brazil no exterior, pela medição da quantidade de unique visitors em comparação com o número médio de leitores de uma obra de autor brasileiro, e pelos comentários deixados pelos leitores.
METODOLOGIA
PESQUISA DE LINGUAGEM
P@R PERFEITO se propõe a ser, além de uma obra de ficção, uma pesquisa e reflexão crítica sobre o uso de estruturas narrativas inovadoras na literatura transmídia. A primeira parte do projeto é um apanhado do que já foi feito e do que ainda pode ser feito em matéria de narrativa eletrônica, que será parte integrante do site e um guia para o leitor/crítico/escritor interessado no tema.
Desde já, está previsto que a obra tenha:
- Diálogos e-pistolares, escritos em formato de e-mail e mensagens de celular, em vez de travessões
- geolocalização dos personagens pelo Google Maps
- reprodução de páginas da internet dos sites, especialmente as com indicações de como o usuário deve agir
- formato wiki ou colaborativo (em que os homens envolvidos não sabem que estão participando de uma história e escrevem suas vidas em páginas de sites de relacionamento)
PESQUISA DE CAMPO
A pesquisa de campo prevê a infiltração de um perfil falso da protagonista em quatro sites de relacionamentos amorosos: P@R Perfeito, Match, Brazilcupid e E-Harmony e troca de correspondência com os participantes, que terão sua identidade protegida.
ELABORAÇÃO DE TEXTO
Os textos que formam uma espécie de diário da protagonista se intercalarão com as páginas que revelam o dia-a-dia de sua atividade em vários sites de paquera, comunicando-se com vários correspondentes amorosos ou dispensando-os sumariamente ou sendo dispensada.
INTERAÇÃO
A protagonista vai interagir com parceiros virtuais que terão sua identidade protegida. Com isso, a obra oferecerá ao leitor várias formas de acompanhar essas aventuras amorosas. E até fazer seus próprios comentários a respeito de um ou outro pretendente ou atitude.
TRAJETO DE LEITURA
Cada pretendente terá sua história e trocas de e-mails agrupados numa espécie de capítulo. Assim, o leitor poderá criar seu próprio trajeto de leitura, seguindo os vários casos amorosos paralelamente ou escolhendo observar a relação da protagonista com um determinado correspondente até o fim.
O leitor poderá também escolher qual história seguir através do Google Maps, observando até mesmo as cidades onde vivem os personagens.
ELABORAÇÃO DE SITE E APLICATIVOS
A obra será desenvolvida em conjunto com um webdesigners e um desenvolvedor de aplicativos para celulares e e-readers. A arquitetura do projeto será realizada com base num mapa de site a ser desenvolvido levando-se em conta a interatividade com o leitor e as trajetórias de leitura oferecidas
PRODUTO FINAL
O produto final a ser desenvolvido será um site que abrigará uma obra transmídia, que poderá ser “lida” na internet ou em dispositivos eletrônicos, como o iPad e outros tablets, mesmo por deficientes visuais. Está prevista uma versão em inglês.
SELEÇÃO BIBLIOGRÁFICA
BEIGUELMAN, Gisele. Link-se (arte/mídia/política/
_______________. O Livro depois do Livro. São Paulo, Peirópolis, 2005
_______________. Incorporações e Mudanças In: Rumos [do] Jornalismo Cultural.1a ed.São Paulo : Summus Editorial, 2007, v.01
_______________. Falso, Pirata, Apropriado. In: net_cultura 1.0. – Digitografia. ( R. Rosas e G. Vascocelos orgs.). São Paulo: Radical Livros, 2006
_______________. New Media Poetics (Contexts, Technotexts, and Theories), Cambridge Mass, MIT Press, 2006. ( Adalaide Morris and Thomas Swiss, orgs)
HAYLES, N. Katherine. Literatura eletrônica: novos horizontes para o digital. Indiana: University of Notre Dame Press, 2008.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
MANOVICH, Lev. Softwares Studies. San Diego: SWS, 2008.MANOVICH, Lev. Software takes comand. Cambridge: MIT Press, 2010..
Nenhum comentário:
Postar um comentário