sábado, 4 de junho de 2011

Sem anos de solidão

Idosos deixam de lado o ostracismo para se apaixonar

Por Ana Carolina Correia
Gabriel García Marquez dizia que “o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão”. Que o escritor colombiano não me ouça, mas a solidão já não é há muito um destino para os mais velhos. A população acima dos 60 anos se livrou da imposição de ser sozinho para conquistar o ciberespaço e achar o amor e a amizade na internet.
 Marli Ferreira Soares poderia dizer que, aos 63 anos, está na melhor fase de sua vida.  Libriana, alegre, divorciada há cinco anos, sem filhos e já aposentada, decidiu entrar em um site de encontros para achar um homem capaz de acompanhá-la. Marli seria uma mulher encantadora se não fosse na realidade uma estudante de Jornalismo de 21 anos.



O perfil dessa personagem foi elaborado para ser o retrato da sociedade que envelhece cada vez melhor e encontra nesses sites um local de troca de mensagens e carinhos. Em seu portal na web, o Amores Possíveis conta com cerca de 250 homens entre 60 e 80 anos, e um número bastante superior, que o site não revela, de mulheres.
A grande maioria desses perfis não foge ao clichê clássico que orientou a construção da personagem : todos são simpáticos, de bem com a vida e bebem e fumam ocasionalmente. É uma forma simples de se atrair e mostrar que são pessoas reais, que tem sentimentos.
De um modo totalmente diferente do que se acontece nos dias de hoje, em que os relacionamentos são breves e efêmeros, nesse caso se preza, antes de tudo, por conhecer o outro. Aqui, os idosos parecem utilizar uma maneira particular para então se relacionar : falam sobre passado, filhos, coisas alegres da vida, coisas tristes, aqui se conversa sobre tudo. E com muita naturalidade de quem já tem muitas histórias pra contar
Ao me infiltrar no site, como Marli, procurei as pessoas que mais se encaixassem na imagem do idoso que está descobrindo esse mundo novo. Encontrei José e João. Com 60 e 70 anos, respectivamente, eram senhores muito simpáticos e educados, mas apenas isso era semelhante aos dois.
"O importante é querer conhecer alguém e
com ele manter contato com os fins propostos”
O primeiro disse estar em sites de paquera há pouco tempo. Solidário, poeta, solteiro e com um filho, está à procura de uma mulher que possa ser, acima de tudo, uma amiga. “O importante é querer conhecer alguém e com ele manter contato com os fins propostos” ressalta. Ele se dirigia à Marli de um jeito tímido e extremamente formal, usava palavras sérias, porém simples, tentando todo tempo conquistar pela calma.
Durante um mês de conversa José sempre se mostrou centrado, e um tanto quando desconfiado de relacionamentos virtuais. Mas isso nunca o impediu de se abrir: “Existem muitos perfis falsos na internet, poucos estão preocupados em fazer amigos de verdade”, lamentou. “Mas eu realmente gosto disso, me sinto jovem de novo.”
Já o segundo era mais direto. Divorciado e sem filhos, assume que não pratica exercícios físicos e diz beber ocasionalmente. Embora se defina calmo e alegre, mostra uma extrema vontade de encontrar uma parceira, um amor. “Parece que já desejo muito ter você como minha querida amiga e por que não, namorada”, disse no primeiro dia de contato. Sua fala era menos contida, embora mantivesse o mesmo tom formal do outro personagem, tinha uma postura mais ousada.
“Não estou entendendo seu silêncio."
Embora o contato com João tenha sido mais breve, cerca de três semanas, foi muito mais intenso. Ele não perdia tempo em responder e sempre estava à disposição, chegando a cobrar muitas vezes de Marli uma resposta. Muitas vezes agia como um namorado real e de longa data: “Não estou entendendo seu silêncio. Posso saber o que está acontecendo?”, questionou dois dias depois da última mensagem respondida.
José e João são duas figuras distintas e complementares. Mostram principalmente que não há limites de idade para procurar aquilo que desejam. Os idosos tem sim algumas particularidades no que se trata de relacionamentos virtuais, são, em sua maioria, mais cuidadosos, porém decididos, usam um linguajar muito mais culto e sério do que seus filhos e netos. Mas isso não é nada mais do que criação e experiência de vida.
Na verdade, esses exemplos demonstram a quebra de continuidade que a sociedade imagina para seus idosos. Se antes ninguém conseguiria imaginar sua avó, com seus 70 anos, tendo um relacionamento novo, a internet está aí para provar que isso é sim possível. E para fazer Gabriel García Marquez mudar de idéia.


Um comentário:

  1. Sinto falta de uma reflexão mais crítica aos relacionamentos virtuais... Observo que os relacionamentos daí advindos, no geral, adiam um encontro com o vazio...Sem contar, que a maioria desses encontros não criam vínculos. Fora o risco das pessoas se viciarem na busca e não se permitirem conhecer de maneira mais profunda o outro. Afinal, com tanta facilidade, pra que investir em uma só pessoa? Esses sites acabam virando um "grande supermercado" em que as pessoas examinam muito o "produto", e acabam por ficar sozinhas...

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